Para
viabilizar as concessões de ferrovias, que envolvem 11 mil
quilômetros de novas linhas e R$ 99,6 bilhões em investimentos
privados, a presidente Dilma Rousseff deu nesta quarta-feira (23/10)
uma resposta concreta aos questionamentos do Tribunal de Contas da
União (TCU) e à desconfiança do mercado. Ela assinou um decreto
que, na avaliação do governo, abre definitivamente o caminho para
os leilões de 14 trechos ferroviários.
Política
de livre acesso -
O decreto, que será publicado na edição desta quinta-feira (24/10)
do "Diário Oficial da União" e ao qual o Valor teve
acesso, institui a política de livre acesso às ferrovias e busca
cercar de segurança jurídica um dos fatores mais temidos pelos
investidores: como a estatal Valec dará as garantias pela compra dos
direitos de transporte nos trechos licitados. A medida também separa
formalmente a exploração da infraestrutura ferroviária - objeto
dos leilões - e a prestação dos serviços de transporte.
Intenção -
Com os ajustes, a intenção do governo é recuperar o atraso nas
concessões de ferrovias, que foram lançadas em agosto do ano
passado e ainda não saíram do papel. A Ferrovia de Integração do
Centro-Oeste (Fico), um projeto de R$ 7,5 bilhões que cruza o maior
polo produtor de grãos do país, deverá tomar a dianteira e
inaugurar os leilões do setor. Ela vai de Campinorte (GO) a Lucas do
Rio Verde (MT), tem 900 quilômetros de extensão e já dispõe de
projeto básico de engenharia - o que torna mais precisas as
estimativas de investimentos necessários nas obras de construção e
agrada aos grupos privados.
Ideia -
Até agora, o governo se apegava à ideia de licitar em primeiro
lugar a ferrovia Açailândia-Barcarena, um prolongamento da
Norte-Sul em direção ao Porto de Vila do Conde (PA). "Diante
das incertezas de engenharia, revertemos a prioridade para a Fico,
que tem se mostrado mais atrativa para o mercado", disse ao
Valor o ministro dos Transportes, César Borges.
Autorização -
Com o decreto presidencial, a Valec fica autorizada a "adquirir
e vender o direito de uso da capacidade de transporte das ferrovias
exploradas por terceiros", reforçando sua segurança jurídica
para colocar em prática o modelo idealizado pelo governo no
lançamento do programa de concessões.
Antecipação
de recebíveis -
A medida permite à estatal antecipar até 15% dos recebíveis com a
compra dos direitos de transporte aos vencedores dos leilões. Isso
dará fôlego econômico às futuras concessionárias, que vão
receber boa parte das receitas previstas em contrato antes da
conclusão das obras, mesmo sem terem iniciado suas operações. As
obras precisam ser entregues em até cinco anos e o decreto dá às
concessionárias certeza de que terão fluxo de caixa logo no início
dos contratos.
Garantias -
Seis tipos diferentes de garantias poderão ser oferecidos pela
Valec: créditos provenientes da comercialização da capacidade de
transporte das ferrovias; títulos da dívida pública federal
aportados na estatal; o penhor de bens móveis, ou de direitos
integrantes de seu patrimônio; a hipoteca de seus imóveis;
alienação fiduciária dos bens da Valec; e outros contratos que
"produzam efeito de garantia". Com a medida, o governo
busca eliminar os temores do mercado quanto à solidez da Valec para
honrar seus compromissos com as concessionárias, no futuro.
Exigências
do TCU -
A expectativa de Dilma e sua equipe é que o decreto atenda às
exigências do TCU para aprovar o modelo de concessões de ferrovias.
O texto foi costurado entre quatro ministérios: Transportes,
Fazenda, Casa Civil e a Advocacia-Geral da União (AGU). "Isso
foi construído com a participação e a colaboração do tribunal",
afirmou Borges. Segundo ele, os ajustes demonstram que o governo "não
empurra nenhum projeto pronto e acabado" ao órgão de controle
ou ao mercado. "Todo processo exige aperfeiçoamentos e merece
ser aprimorado", disse.
Problemas
na modelagem -
O TCU vinha apontando problemas na modelagem das concessões e
cobrava maior amparo legal para permitir as operações de
comercialização de carga pela Valec - compra da capacidade de
transporte e venda ao mercado, em oferta pública, dos direitos de
uso da ferrovia. Sem mudanças na legislação, o tribunal dizia que
não poderia dar sinal verde aos leilões no setor.
Redução
de preço -
Para a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, o novo modelo
rompe com o monopólio no uso dos trilhos. "As operadoras
poderão atuar em qualquer ferrovia. A competição entre operadoras
reduzirá o preço dos fretes", disse a ministra.
Início - Uma vez resolvido esse obstáculo, a lógica natural do processo seria iniciar os leilões pelo trecho que vai de Açailândia (MA) a Barcarena (PA), uma espécie de projeto-piloto das concessões de ferrovias. Foi o primeiro lote a ter os estudos econômicos e minuta de edital enviados para análise do TCU, mas que nunca chegou a despertar entusiasmo no mercado.
Valor
real -
As empreiteiras avaliam, por exemplo, que os estudos oficiais
subestimaram o valor real dos investimentos exigidos para tirar esse
trecho do papel. O governo calcula as obras civis em R$ 3,2 bilhões.
Para os investidores, no entanto, as despesas reais devem atingir R$
5 bilhões e colocam em xeque a viabilidade do projeto como um todo.
Amazônia -
Além dos riscos de construção, que atravessa regiões de solo
arenoso na Amazônia, as conversas do governo com tradings e gigantes
do agronegócio não foram suficientes para empolgá-las. O trecho
Açailândia-Barcarena é uma extensão da Norte-Sul para permitir o
escoamento da produção agrícola pelos portos do Pará, mas os
próprios produtores rurais têm dúvidas sobre a capacidade de seus
terminais.
Fico -
A Fico, no coração agrícola do país, tem uma singularidade entre
todos os 14 trechos do programa de concessões no setor. Só ela tem
um projeto básico de engenharia, feito pela Valec, enquanto os
demais lotes possuem apenas projetos conceituais - com um nível de
precisão bastante inferior. Com isso, torna-se menor o risco de um
grande hiato entre os investimentos estimados pelo governo e pelas
empreiteiras.
Diferença -
Há ainda, conforme detectou o Palácio do Planalto, outra diferença
que maximiza as chances de sucesso no leilão da Fico: o interesse do
agronegócio. O empresário e senador Blairo Maggi (PR-MT) confirma
essa disposição. "Ela tem garantia de carga."
Entrega -
Nos próximos dias, talvez amanhã, o Planalto entregará ao TCU os
estudos de viabilidade e a minuta de edital da Fico. Será definida
taxa interna de retorno (TIR) de 8,5% ao ano - percentual máximo nas
concessões de ferrovias. Na semana que vem, sairá outro decreto,
promovendo uma reestruturação na governança da Valec.
(Valor
Econômico)
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