O
ex-senador, Odacir Soares Rodrigues, foi um dos ícones da política
de Rondônia desde os tempos do Território Federal de Rondônia.
Chegou ainda jovem a Porto Velho, há 46 anos, depois de ter sido um
bem sucedido repórter no jornal “O Globo” e na “Revista
Manchete”, órgãos sediados no Rio de Janeiro. Durante toda sua
trajetória política em Rondônia foi prefeito duas vezes, deputado
federal e senador por 16 anos consecutivos. Atualmente é suplente do
senador Ivo Cassol (PP).
Com
74 anos de idade, casado, pai de quatro filhos e avô de sete netos,
Odacir, que por ser um grande articulador é conhecido também por
“raposão”, nasceu em Rio Branco, no Acre. Morador em Porto Velho
desde 29 de julho de 1967, ele também já foi secretário de
Segurança Pública, chefe da Casa Civil, fundador e presidente da
Caerd. Durante mais de duas décadas travou grandes embates com
Jerônimo Santana, seu rival desde os idos de Território. Além dos
embates com a oposição, Odacir sofreu como dissidente na Arena, no
governo Humberto Guedes, quando penou bastante. Teve comícios
sabotados com corte de energia e alvo de pedradas; e uma eleição a
deputado federal fraudada. “Só ganhei onde tinha juiz e nas
cidades que conseguimos fiscalizar. Nas outras a fraude imperou. Era
comum isto na época”, recorda.
Odacir
teve como seu primeiro partido o MDB (no RJ), na época de sua
fundação. Anos depois trocaria porque como prefeito de Porto Velho
enfrentava a maioria na Câmara de Vereadores formada pela Arena.
Naqueles idos o governador também era nomeado pelo regime militar,
com apoio desse partido governista. Numa entrevista de duas
horas, o ex-senador, reconhecido como um dos mais produtivos para o
Estado até hoje, fez importantes revelações sobre passagens
importantes da política rondoniense e do cenário nacional, pois foi
líder do governo Collor de Melo, afastado num processo de
impeachment. Revela fatos curiosos e pitorescos. Numa derrota na
disputa ao governo – foram duas – sua coligação de partidos
ficou devendo bastante na praça e até juntar recursos para saudar
as dívidas a coisa esquentou com os cobradores. “Fui esfriar a
cabeça longe, lá na Antártica, numa viagem com navio da Marinha”,
lembra. Os amigos brincam até hoje: “lá nas geleiras ficava
impossível ele ser cobrado”.
Diário
da Amazônia –
Como foi sua chegada a Porto Velho?
Odacir
Soares –
Vim para cá em 1967, a convite do governador Flávio Assumpção
Cardoso para ocupar o cargo de secretário de Segurança Pública,
função que fiquei em três meses, sendo transferido em seguida para
a Casa Civil. São 46 anos de vida pública. Vivi da advocacia de 67
a 70, sendo depois nomeado prefeito de Porto Velho
Diário –
E seu ingresso na política?
Soares –
Meu primeiro partido foi o MDB, ainda no Rio de Janeiro, quando da
sua criação. Posteriormente, já em 1970, como prefeito de Porto
Velho, me filiei à Arena, que era o partido do governador do
Território, para ter uma convivência com os vereadores onde a Arena
era majoritária. Meu líder na Câmara era o vereador, Anísio
Gorayeb.
Diário –
Relate sua primeira gestão na prefeitura de Porto Velho.
Soares –
Eu já tinha sido nomeado pelo governador Marques Henriques para
organizar a Caerd e, ganhando sua confiança, fui nomeado prefeito. A
primeira providência foi atualizar o pagamento dos servidores
municipais, que estava um ano de atraso, colocando as finanças em
ordem. Consegui trazer a Fundação Getúlio Vargas para elaborar o
orçamento do município e o Plano Plurianual de investimentos.
Também trabalhei no primeiro Plano Diretor do município, que
incluía o Plano de Ação imediata, todos os códigos municipais e a
implantação do cadastramento técnico municipal. Criei as
secretarias de Saúde, de Educação, construí as primeiras escolas
municipais e os primeiros postos municipais de saúde. Montei
estrutura de equipamentos, etc. Foi priorizado também o asfaltamento
da cidade. As equipes trabalhavam das 7h até meia noite. Fui o
primeiro prefeito a tomar posse na Câmara Municipal.
Diário –
Como era Porto Velho na sua primeira gestão?Soares –
Na cidade, no núcleo urbano, eram 50 a 60 mil pessoas. O município,
um dos maiores do mundo, do tamanho de um País europeu. Rondônia só
tinha dois municípios na época, Porto Velho e Guajará-Mirim. Porto
Velho começava na divisa com o Acre e atingia a divisa com o Mato
Grosso.
Diário –
E a segunda gestão de prefeito?
Soares –
Em decorrência da condição de prefeito fui obrigado a me envolver
na política. Então ingressei na Arena e ajudei a organizar o
partido e também no interior. Na segunda administração, criei a
Fundação Centro de Ensino Superior da Amazônia-Fundacentro, que
iniciou os primeiros cursos superiores permanentes do Território
Federal de Rondônia, da qual fui o primeiro presidente. Quando da
criação do Estado ela foi transformada na Universidade Federal de
Rondônia. Criei a Emdur, continuei a asfaltar a cidade, construí
novas escolas, priorizei o equilíbrio fiscal, desenvolvemos a
abertura de novas. Corria o ano de 1975. Fizemos o primeiro asfalto
da avenida Lauro Sodré em direção ao aeroporto, a abertura da
avenida Jorge Teixeira. Trabalhamos no fortalecimento dos distritos.
Porto Velho, como disse, era um dos maiores municípios do mundo.
Diário –
Depois de ter sido prefeito, o sr. foi deputado federal. As eleições
eram difíceis naquela época?
Soares –
Graças ao trabalho que eu fiz em Brasília, pela Arena, Rondônia,
que elegia um deputado federal, passou a eleger dois. Um deles já
cumpria mandato, que era o Jerônimo Santana. Em 78 estava brigado
com o governador Humberto Guedes e havia as sublegendas, eram três.
Cada sublegenda podia lançar um candidato Numa delas, eu fui
candidato, pois era o presidente do Diretório da Arena, e me
garanti. Noutra sublegenda, o então governador, para me derrubar,
lançou de última hora um ex-aliado meu, o funcionário do Banco do
Brasil de Guajará, Isaac Newton, que com o esquema da máquina e
muitas urnas fraudadas acabou levando a melhor. Mas em Brasília a
Arena me desgastou, determinando um ano de mandato para mim. Desde
aquela época já trabalhava pelo asfaltamento da BR e pela criação
do Estado de Rondônia junto ao presidente Geisel.
Diário –
Fale da sua eleição ao Senado em 82…
Soares –
Depois de escolhidos os nomes para a disputa, eram três do PDS, com
orientação de Brasília, com apoio do então presidente do partido,
José Sarney, e do presidente da República, João Figueiredo, foi
formada a chapa. Eu, o Claudionor Roriz e Galvão Modesto. Eu tinha o
número 10, que ajudava. Era o primeiro da cédula eleitoral. Mas
armaram para que as cédulas fossem impressas pelo número 11,
alterando a sequência. Fui a Manaus (a impressão era na gráfica do
jornal A Crítica), mostrei a legislação eleitoral e corrigi a
coisa, quando as cédulas chegaram foi um alvoroço. A campanha foi
boa, e o PDS elegeu seus três senadores contra os candidatos
Jerônimo Santana, o coronel Godoy e o Djair Prieto. Fui o senador
mais votado de Rondônia e o único com mandato de oito anos. Os
demais ficaram apenas quatro e não foram reeleitos.
Diário –
Como o Sr. reverteu o favoritismo de Jerônimo Santana em
82?
Soares –
Com jogo de estratégia, mas fundamentalmente de duas maneiras: com
apoio e prestígio do então governador Jorge Teixeira, e, segundo,
com a minha militância que já existia desde os tempos de
Território. Era o político mais conhecido. Também tinha o fato de
a campanha ao Senado ser integrada, os três candidatos mais o
governador, os quatro juntos na campanha. Outro ponto explorado foi
que nosso principal adversário, Jerônimo Santana, tinha votado
contra a criação do Estado de Rondônia, no Congresso, sendo que
esta era a grande aspiração do povo rondoniense.
Diário –
E quanto à sua reeleição em 90? O Sr. Também não era
favorito…
Soares –
Em 1990, era o Chagas Neto (PMDB), o candidato mais forte. Eu era
presidente do PFL, um partido que queria aderir à candidatura de
Olavo Pires ao governo e apoiar o Chagas Neto ao Senado. Naquele caso
eu seria candidato a deputado federal. Eu não topei esta composição
e o Diretório Nacional do PFL decidiu me lançar ao Senado, de novo.
Ninguém acreditava que seria eleito. Os candidatos com apoio do
governo armaram uma estrutura de campanha milionária, com vários
trios elétricos, distribuíram casas populares, etc. E eu, com uma
campanha da formiguinha, montei equipe de mídia e ganhei com muito
trabalho, pois já tinha uma certa projeção no Senado. Tiveram
aqueles casamentos políticos com “excesso de sabedoria”
prejudicando meus dois maiores adversários (grupos rivais no mesmo
palanque) e o Ibope vendia pesquisas com os adversários na frente.
Em setembro, que começou a virada. A campanha deles muito rica
chocou a população. O Ibope também tentou me prejudicar, mas não
adiantou. Tive minha melhor vitória em 90.
Diário –
O sr. teve grandes vitórias no Estado. Por que nunca ganhou ao
governo?
Soares –
Acho que isto aconteceu porque o eleitor não queria me tirar do
Senado. Achavam que eu servia mais para ser parlamentar, do que um
perfil para cargo executivo.
Diário –
No Congresso, o Sr. se destacou e se transformou numa liderança
nacional. Foi até líder do presidente Collor…
Soares –
Fui naquela época vice-presidente do Senado, primeiro secretário do
Senado, vice-presidente nacional do PFL, líder do governo e do PFL e
líder do PTB. Fui relator do Orçamento da União entre outros
cargos.
Diário –
Com relação ao presidente Collor de Mello, alvo do impeachment. Foi
fiel até o fim?
Soares –
Fui fiel até o fim, porque entendia que a decisão do Congresso era
inconstitucional, uma vez que o instituto do impeachment do
presidente não havia sido recepcionado pela Constituição de 88.
Tanto é, que depois da aprovação da nova Constituição, o senador
Jutay Magalhães (PSDB-BA) apresentou um projeto de lei complementar
que regulava o processo de impedimento do presidente da República.
Na defesa do presidente Collor eu nunca discuti o mérito da acusação
e, sim, a parte constitucional. Sem considerar as ilegalidades que
foram praticadas pelo Congresso, pelo Supremo Tribunal Federal e na
Presidência da Comissão Processante.
Diário –
O que então levou Collor de Mello ao despenhadeiro?
Soares –
Primeiro, entendo que ele quis governar de cima para baixo, sem ouvir
as instituições, particularmente o Congresso Nacional, e a
sociedade brasileira, em síntese.
Diário –
Destaque algumas propostas como deputado e senador…
Soares –
Fui autor da Lei dos Crimes Hediondos, além de ter sido presidente
da Comissão Mista do Congresso Nacional do Plano Real, tendo ajudado
ao então ministro da Fazenda, Rubens Ricúpero, a definir o prazo de
vigência do novo plano. Fui membro permanente do Parlamento do
Mercosul e vice-presidente da entidade. Para Rondônia meu trabalho
marcante foi para o asfaltamento da BR-364, da construção
hidrelétrica de Samuel. Destaco ainda, a defesa dos servidores
federais.
Diário –
Para encerrar, qual foi sua derrota mais sofrida?
Soares –
A derrota mais sofrida foi a deputado federal, nos tempos do
Território. Foi uma eleição roubada nos mapas das urnas, que eram
ainda cédula de papel. Onde foi possível fiscalizar, onde tinha
juiz, eu ganhei. É possível imaginar como era naquela época
enfrentar a máquina do governo. Eu era dissidente e acabei levando a
pior. (C Sperança).