10 de março de 2015

Estudo prevê a morte do Rio Madeira em 40 anos

Pescador atravessa o rio Madeira, em Porto Velho
O segundo relatório “A Verdade sobre as Enchentes do Rio Madeira” está em fase de conclusão. Em entrevista exclusiva ao Diário, o engenheiro Jorge Luiz - diretor de Ciência, Pesquisa e Tecnologia do Sindicato dos Engenheiros do Estado de Rondônia (Senge) -  disse que os estudos feitos a montante das Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau preveem que em 40 anos não haverá mais vida no rio. O resultado do trabalho constata que a influência do impacto ambiental se estende até a Bolívia. “As autoridades brasileiras não querem admitir a verdade. O principal objetivo é provar que para fazer um empreendimento na dimensão das usinas deve haver uma engenharia de qualidade, com os devidos estudos técnicos  e respeito amplo com a sociedade”, alega Jorge Luiz.
De acordo com o diretor, que coordena as pesquisas, o estudo foi dividido em duas etapas: uma parte documental, que compreende a análise das leis brasileiras, ambientais,  constitucionais, compreendendo também a parte técnica, para provar porque aconteceram as enchentes de 2014; e a identificação de todos os documentos técnicos e avaliativos anexados ao processo. Ou seja, houve análises e identificação dos erros cometidos pelas instituições envolvidas no projeto: o Eia Rima – Estudo e Relatório de Impacto Ambiental; resoluções da Agência Nacional de Águas (ANA), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis  (Ibama) e também da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Jorge Luiz diz que os estudos estão concluindo a segunda etapa se for considerado que houve três enchentes: a jusante da hidrelétrica de Santo Antônio, quando foi verificada a influencia até o rio Amazonas. “Na primeira etapa conseguimos identificar que  os prejuízos causados às comunidades que ficam a jusante do Madeira são de responsabilidade das hidrelétricas. Na segunda etapa, nos preocupamos com a montante da usina de Santo Antônio. Pesquisamos todas as comunidades e todos os impactos que aconteceram nesse trecho. E, como constatam as leis brasileiras, a montante também está sob a responsabilidade do empreendedor”, informa.


PREJUÍZO DE R$ 5 BILHÕES

Jorge Luiz, diretor da Senge
Os estudos mapeiam que a montante – locais acima do rio, mais próximos das cabeceiras –, a influência da barragem de Santo Antônio vai até Jirau e de Jirau até a Bolívia. Entre as causas elencadas pelas últimas pesquisas está o fato documentado de que em maio de 2011 a Aneel fez o terceiro Termo Aditivo (TA) com a Santo Antônio Energia para que na cota de 6.5 fossem construídas seis turbinas, enquanto o Ibama havia liberado a construção de quatro. Jorge Luiz explica que isso indica as primeiras contradições dos órgãos envolvidos. Segundo ele, para elaborar um TA –  referente a obras de grande porte como as hidrelétricas – deve-se passar por várias fases.
No caso, são três responsáveis diretos pelas construções das usinas: a ANA – que responde pelo meio físico (água e ar); o Ibama, pelo meio biótico (os animais e a vegetação); e a Aneel, pelo meio antrópico (socioeconômico). “Perguntamos: por que a Aneel sozinha deliberou sobre a construção de seis turbinas? No afã de dizer que o Brasil precisava produzir mais energia elétrica, causaram um prejuízo financeiro para  Rondônia e para outros Estados em torno de R$ 5 bilhões. Verificamos que os governos Federal, Estadual e Municipal têm grandes parcelas de responsabilidade”, declara.
O primeiro estudo feito a jusante das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau teve como resultado a elaboração de um relatório intitulado “A verdade sobre as enchentes do rio Madeira”. O documento, publicado em julho do ano passado, contém mais de 200 páginas de pesquisas, estudos e análises técnicas sobre as causas das enchentes de 2014. Jorge Luiz assegura que é possível apontar as reais causas que provocaram a catástrofe que atingiu diretamente centenas de famílias. Segundo o engenheiro, houve uma série de problemas de ordem técnica que ele assegura que são inconsistências que aconteceram desde o início do processo, culminando com a construção da hidrelétrica de Santo Antônio. As pesquisas confirmam que houve falta de estudos técnicos básicos e faltou também diálogo e acompanhamento dos governantes para compreenderem a dimensão dos riscos e benefícios do projeto. Muitos erros de ordem administrativa foram cometidos desde 2002, registra a pesquisa.

Caso do rio no Nordeste que morreu

No documento consta que, em março de 2012, quando começaram os desbarrancamentos no bairro Triângulo, a usina de Santo Antônio reconheceu que houve erros e retiraram toda a população que residia ali. Porém, não atenderam às comunidades que ficam a montante da hidrelétrica. A hidrologia e a hidráulica identificaram na hidrodinâmica que na passagem de um sistema supercrítico para um sistema crítico e subcrítico cria-se um fenômeno chamado salto hidráulico (são pesquisas bem recentes). O ressalto hidráulico até 2004 só estudava o que acontecia a jusante – sentido em que corre o rio. Os últimos estudos, portanto, apontam as influências das barragens também a montante – em direção contrária ao sentido do rio.
O engenheiro explica que, quando há um fluxo de água e se constrói  uma barreira, a água retorna ao mesmo tempo que avança. Assim, ela passa sobre a barragem, pois o volume de água será maior. Tem-se, então, a energia potencial. Ou seja, quando a água que subiu começa a cair produz energia cinética. Portanto, quando a água de uma barragem cai tem-se o processo crítico para o subcrítico: é uma energia muito grande e precisa ser dissipada, através do pé da barragem (soleira). Verificou-se que há barragens hoje no Brasil que não podem mais funcionar porque toda a ferragem de sustentação delas está consumida, por redemoinhos que se formam na soleira, pelo volume e pela força da água retida.
Os estudiosos confirmam ainda que se não for dimensionada corretamente, a proteção da barragem afetará a jusante em curto espaço de tempo. Foi o que aconteceu com as barragens do Madeira: os redemoinhos e as ondas que se observaram são a constatação do fato. Há também a questão dos sedimentos que desciam da Bolívia. Inicialmente, isso não foi considerado pelas análises técnicas. Hoje se tem conhecimento que passa por Santo Antônio cerca de 1 milhão, 580 mil toneladas de sedimentos por dia. Durante 15 anos, vão ficar retidos no reservatório de Santo Antônio, aproximadamente 20% desse total.
Jorge Luiz esclarece que os estudos que atestam a Verdade sobre as Enchentes, provocadas pelo complexo das usinas hidrelétricas, buscam enfatizar a necessidade urgente de se reconstruir o Madeira. “Só temos essa chance para salvarmos o rio. Analisamos outras histórias e verificamos que isso pode ser cientificamente comprovado. O que vai acontecer com o Madeira é o que aconteceu com o rio Parnaíba, de grande influência no Nordeste. O Parnaíba tinha uma calha de 10m de altura. Depois da construção da hidrelétrica de Boa Esperança tem hoje apenas 80cm de calha. O Parnaíba morreu e vai acontecer o mesmo com o Madeira. Peixes já começaram a morrer em grande quantidade. Será esse o legado para nossos filhos e netos? A sociedade aguarda, com urgência, as respostas e as compensações dessa catástrofe”, conclui.
(Edilene Santiago- Diário da Amazônia)

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