21 de novembro de 2013

Clima ainda é de tensão em Rio Pardo após confronte entre PMs

Veículo da força nacional de segurança foi incendeado


O clima é de medo e tensão na vila Rio Pardo, no interior da APA (Área de Proteção Ambiental) - desmembrada da Floresta Nacional (Flona) do Bom Futuro – onde, na última semana, manifestações populares culminaram na morte do policial da Força de Segurança Nacional Luiz Pedro de Souza dos Santos.
De acordo com o secretário municipal de Agricultura (Semagric), Leonel Bertolini, nove pontes foram danificadas durante o conflito, impedindo o transporte de estudantes e de produtos agrícolas. A produção local de leite é de 26 mil litros e sem condições de comercialização, o produto está sendo jogado fora, afirma ele.
O vereador da Capital Jurandir Bengala pernoitou em Rio Pardo na noite de sábado para domingo e fez um pronunciamento na Câmara na última segunda-feira (18), pedindo apoio à população. “Tem marcas de tiros em casas comerciais e no posto de gasolina. Além de pessoas com marcas de bala de borracha no rosto e nos braços. Mas ninguém fala, com medo de represálias”, disse Bengala.
De acordo com a assessoria da Secretaria Estadual de Segurança Pública, a "situação está sob controle na região".
Para o vereador Jurandir Bengala, o conflito ocorrido em Rio Pardo foi provocado por medidas adotadas pelo Governo do Estado. Ele relata que, no processo de desmembramento da área da APA da Flona - quando foi feito um acordo entre os governos federal e estadual para desmembrar a área da APA que se encontrava ocupada - da Flona, ficaram fora do acordo cerca de 40 famílias que estavam na área. Em setembro de 2012, elas foram retiradas da Floresta Nacional e, de acordo com o vereador, teriam sido levadas para lotes que posteriormente foram reivindicadas por um fazendeiro, sob alegação de que seria o "proprietário" da terra. Os agricultores foram, então, retirados e o governo passou a pagar um salário mínimo para os mesmos, com a promessa de providenciar outro lugar para reassentamento.
Segundo informação de moradores repassadas ao vereador, o local onde estavam os agricultores hoje é ocupado por uma fazenda com 2 mil cabeças de gado. Este fato, mais a demora de quase um ano sem uma definição para o impasse, incentivou 10 famílias remanejadas a retornarem para dentro da Flona e com elas outras pessoas que não tinham nada a ver com a questão também invadiram. "Tinha gente de Jaru, Ouro Preto e outros municípios", afirma o vereador.
O Diário procurou a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam) para confirmar as informações, mas até o fechamento da edição não obteve resposta.

Prisões revoltam moradores

Na última quarta-feira (13), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) fizeram uma ação de reintegração de posse na Flona e prenderam 10 pessoas que se negavam a sair. Os policiais que apoiavam a operação entraram na vila com os presos, e houve uma manifestação popular. Os prédios recentemente construídos para a Polícia Militar e a Sedam foram depredados.
Na quinta-feira, um grupo danificou a ponte de acesso ao local e impediu a entrada de um comboio de três viaturas da Força Nacional de Segurança na entrada da vila de Rio Pardo.
Depois de consertar a ponte, os policiais prenderam dois homens, apreenderam duas motos e entraram na vila com os presos, quando um grupo de pessoas atacou o comboio com o objetivo de resgatar os dois detidos. Com a negativa de soltura dos presos, aproximadamente 300 pessoas encurralaram os policiais atirando paus, pedras e coquetéis molotov. No confronto, a polícia usou balas de borracha para dispersar a multidão. Uma viatura foi incendiada e explodiu. Na ocasião, o soldado Luiz Pedro de Souza Gomes, de 33 anos, perdeu a vida. Uma primeira versão indica que ele foi atingido por uma arma da própria polícia que teria sido acionada acidentalmente, atingindo o rapaz no braço e chegando até o pulmão, embaixo do colete de proteção de balas. Os dois presos que estavam sendo escoltados pelos policiais, teriam fugido.

Operação policial para desarmamento

Na sexta-feira (15), um comboio policial com mais de 30 viaturas foi enviado para o local de conflito com o objetivo de acalmar os ânimos e desarmar os moradores. Um rapaz foi preso porque teria uma arma de calibre 38 e outros objetos considerados suspeitos em casa. Os moradores alegam que ele não tinha nada a ver com o conflito. Um dentista que teria recolhido armas e munições deixadas pelos homens da Força de Segurança Nacional teve a casa invadida no momento em que estava ausente. Os policiais teriam provocado estragos no gabinete odontológico e atirado contra as paredes da casa.

Direitos humanos

Com as notícias do conflito, uma equipe formada por representantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (Cebraspo) esteve na vila de Rio Pardo para verificar denúncias de torturas contra moradores do local.
De acordo com a coordenadora regional da CPT, Maria Petronila Neto, foram colhidos depoimentos e registros fotográficos de pessoas feridas com balas de borracha. E constatadas marcas de tiros em casas, estabelecimentos comerciais, posto de gasolina e na casa de um dentista.

Ela explica que a comissão só esteve na região para verificar a violação de direitos e não a questão fundiária da região. Petronila afirmou que a comissão permaneceu pouco tempo na região, por isso prefere não se pronunciar sobre quem são as pessoas que participaram dos confrontos.
Ela acredita que "grupos independentes", assim chamados porque não fazem parte de organizações mais conhecidas, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), buscam terras na região. Em Porto Velho, a Comissão está acompanhando a situação dos presos. Estão previstas denúncias em órgãos de defesa de direitos humanos no Brasil e no exterior. "O governo precisa tomar medidas que garantam paz e tranquilidade para os moradores locais", cobra a representante da CPT.

Área boa para atividade agrícola

O vereador Bengala informa que em levantamento recente feito na região da vila de Rio Pardo foram contabilizadas 2.513 casas, englobando as áreas urbana e rural. Com o cálculo de uma média de quatro moradores por casa. Ele afirma que mais de 10 mil pessoas vivem na região. Grande parte deles são provenientes de estados que têm uma cultura de produção agrícola. O solo é fértil e a água, abundante e Rio Pardo é considerado como um dos maiores produtores de alimentos da Capital.
Segundo o secretário municipal de Agricultura, Leonel Bertolini, a produção de café no ano passado foi de 32 mil toneladas e por dia são produzidos 26 mil litros de leite. Também há uma produção de gado de corte, além de banana, macaxeira e outros produtos.
As condições propícias de produção agrícola incentivaram a invasão da Flona do Bom Futuro. Uma reserva federal criada em 1988, para o uso sustentável de recursos florestais e pesquisa científica. No final da década de 1990, a unidade começou a ser invadida, com o apoio de governantes, parlamentares, prefeitos, grileiros e madeireiros. Em 2003, quando já havia cerca de 5 mil pessoas e 40 mil cabeças de gado dentro da Flona, o Ibama organizou uma grande operação para a retirada dos invasores e foram fechadas oito serrarias.
Em dezembro de 2004, foi montada outra grande operação, que deveria iniciar com a retirada do gado. Houve resistência e a operação foi abortada. Em 2008, uma nova operação também não deu em nada. Em 2009, o então governador Ivo Cassol firmou um compromisso com o Governo Federal para o desmembramento de uma área de 170 mil hectares da Flona, em troca de área semelhante na Reserva Rio Vermelho, destinada para a construção da Usina Hidrelétrica de Jirau. Com isso, foi formada a APA Rio Pardo, que ficou sob a responsabilidade do Estado de Rondônia.

Restrições ambientais

A produção na APA de Rio Pardo - que ainda não é um distrito, conforme vem sendo divulgado na mídia – é pontuada por uma série de restrições ambientais. Leonel Bertolini afirma que terá que entrar em entendimento com o Ibama e o ICMBio para derrubar árvores para o conserto das nove pontes danificadas durante os conflitos que ficam dentro da Flona.

Em entrevista coletiva na última sexta-feira, o secretário estadual de Segurança, Marcelo Bessa, admitiu a possibilidade de atuação de madeireiros e grileiros na Floresta Nacional do Bom Futuro, que estariam retirando madeira ilegal da área e também influenciando os moradores contra os agentes de órgãos ambientais e de segurança. 

Texto: Ana Aranda (Diário da Amazônia)
Foto: Buritisnews

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